quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Um Mergulho no Açude Castanhão: o olhar de um biólogo


Levamos um biólogo em nossas expedições o que resultou neste belíssimo texto! 
Aproveite!


por Pedro Bastos de Macedo Carneiro
Biólogo CRBio 59.848/05-D
Universidade Federal do Ceará
Instituto de Ciências do Mar
Laboratório de Macroalgas


O açude Castanhão é imenso. Criaturas as mais diversas dependem das suas águas. Fenômenos variados se sucedem numa intrincada e complexa rede, influenciando muito além das fronteiras da enorme área alagada. Somente alguém muito ingênuo e precipitado se arriscaria a dar respostas prontas para perguntas como: o que acontece quando se alaga uma área tão grande, cobrindo morros e vales, cidade e floresta? 

Não devemos nos enganar. Essa dúvida permanece, mesmo após anos da construção do açude. A incapacidade de entender essa complexidade, ou, pior ainda, a crença equivocada de que já conhecemos e, portanto, controlamos tudo o que ocorre no reservatório pode ser fatal para o mesmo e para as formas de vida que dependem daquela água. 

Por outro lado, acreditamos que é sim possível conhecer alguns dos segredos do reservatório. Principalmente se tivermos os recursos necessários e mantivermos a humildade de reconhecer nossas limitações. 

E é justamente com essa atitude que uma equipe vem se propondo a visitar o Castanhão. Os pontos unificadores desse grupo? A prática do mergulho autônomo e uma vontade despretensiosa de conhecer mais sobre as casas que até hoje resistem sob àquelas águas. Esses mergulhos nos permitem ter uma experiência bastante próxima ao reservatório e nos reafirmam que o maior açude do Ceará é sim bastante rico. 
Água clara no raso

Nos pontos mais profundos (onde se encontram, por exemplo, a maioria das casas submersas) a água é mais turva junto á superfície e mais transparente próximo ao fundo. Essa transparência, no entanto, demanda lanternas para ser notada, já que abaixo dos 5m a água costuma ser bastante escura.

E qual seria a explicação disso? Longe de querer encerrar a questão, podemos supor que algas microscópicas se aglomeram junto á superfície do açude numa disputa pela luz do sol, que é ingrediente fundamental para a fotossíntese.

Essa aglomeração tornaria a água mais turva nos primeiros 5m de profundidade e a disputa acabaria por consumir boa parte da luz ainda nessas partes superiores da coluna d’água. 

No fundo, água limpa mas escura
Já a escuridão impede o crescimento de plantas junto ao fundo do açude. Isso diminui o interesse dos animais pela área e não temos um ambiente particularmente rico em espécies. Com a exceção de numerosos caramujos habitando o fundo lamoso, o que se vê mais são alguns poucos cardumes de tucunaré. Por outro lado é essa aridez que torna a água transparente e permite mergulhos mais agradáveis, com a devida ajuda da luz artificial. 

Essa situação muda em locais mais rasos, próximo à margens do Castanhão. Nesses ambientes, a dinâmica das águas, luz e nutrientes é diferente dos locais mais profundos e é possível observar muitas plantas aquáticas. A maioria dessas cresce enraizada no fundo do açude e, diferentemente das algas, seus corpos e seu hábito foram moldados para permitir a passagem da luz, garantindo assim que toda a planta realize fotossíntese. Isso também permite que elas sirvam de abrigo e alimentação para peixes e mergulhar nelas é como adentrar uma pequena floresta.

No fundo a vida aquática é tímida
O fato de essas plantas estarem enraizadas as diferencia de outros tipos de vegetação aquática flutuante, como os Aguapés, que, por crescerem junto à superfície da água, podem bloquear a luz e empobrecer as regiões mais profundas. Essas plantas flutuantes estão por vezes relacionadas com o aumento da poluição e não as termos encontrado foi uma boa notícia, apesar de serem freqüentes os sinais de ocupação humana próximo às margens. 

Por fim, existem corpos d’água localizados por fora da barragem. Esses pontos recebem grandes cargas de água quando as comportas do açude estão abertas, mas se apresentam como poças rasas nos períodos de estiagem. Essas poças, no entanto, permitem o florescimento de uma vegetação exuberante que destoa da paisagem árida que cerca o Castanhão nesses anos de forte seca. 

Dentro dessas poças é possível encontrar cascudos, pitús e caramujos. Numa olhada rápida, todos esses pertencentes à umas poucas espécies bem adaptadas à um regime de águas variável, mas previsivelmente violento. Quando as comportas são abertas, a água das poças é renovada e o pequeno reservatório recebe nutrientes. Por outro lado é de se esperar que a força bruta das águas cause estragos consideráveis aos seres que lá habitam. Só aqueles capazes de buscar abrigo em águas mais calmas, se agarrar fortemente às rochas e resistir deverão ser observados em futuros mergulhos.

Essa variedade de ambientes e condições, parte pequena da grande complexidade citada mais acima, pôde ser observada em nossos mergulhos. Elas exemplificam e reforçam a necessidade de pensarmos o açude Castanhão tendo sempre em mente que ele se trata de um ambiente vasto e heterogêneo. 

É claro que em nossas visitas despretensiosas não sairíamos conhecendo todo o reservatório. E nem era essa nossa pretensão. Mas observar in loco a diversidade do açude e o esforço em tentar compreendê-la é, de fato, recompensador. E saber que essa visita pode estimular novas incursões mais ainda.


Fotos Marcus Davis

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